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Foto do escritorDanielle Fava

Desvendando os vínculos entre autismo, alimentação e questões raciais


Olá, mulheres maravilhosas! Espero que estejam todas bem. Para dar início ao mês de Abril, uma vez que estamos no mês de Conscientização sobre o Autismo, vamos falar sobre o papel a da nutrição no Transtorno do Espectro Autista (TEA), condição que tem  tem grande impacto nas áreas da comunicação, interação social, comportamento, cognição e linguagem trazendo diversos prejuízos no desenvolvimento geral da criança, incluindo a alimentação, devido a disfução na integração sensorial que pode estar presente e levar a uma alimentação muito restrita, seletiva e/ou com aceitação reduzida de alimentos.


O TEA é uma assunto pelo qual sou apaixonada. Além de nutricionista, sou pedagoga, psicopedagoga educacional e estou terminando a neuropsicopedagogia. Fiz pós-graduação em TEA pela CBI of Miami e tenho curso de Avaliação e Tratamento da Seletividade Alimentar. Então, são muitos anos atendendo crianças autistas, dando suporte a seus pais e estudando muito sobre o assunto.


E como sempre, temos muitos desafios com o TEA na nossa população. Assim como para outras doenças, a questão do racismo afeta o acesso aos tratamentos de qualidade no TEA e há maior atraso no diagnóstico entre crianças negras (cerca de 1,5 a 3 anos), sendo que elas ainda são detectadas com idade mais avançada do que as crianças brancas. E também é entre a população negra a maior taxa de diagnósticos incorretos, incluindo maior probabilidade de serem diagnosticadas com transtornos de conduta, reforçando esterótipos raciais, mesmo quando as pesquisas mostram que não há diferença entre os comportamentos de crianças autistas brancas ou negras.


Outros desafios surgem quando vemos que famílias negras possuem menos acesso para conseguir serviços especializados, incluindo avaliação neuropsicólogica, terapia ocupacional, psiquiatra, neurologista e nutricionista, ainda que os cuidadores negros pareçam priorizar mais os cuidados, busca de tratamento e defender seus filhos do sistema para protegê-los. Dessa forma, percebemos que a intersseccionalidade entre ter autismo e ser uma pessoa negra tem impacto único na saúde para quem está dentro do espectro e para suas famílias.


Para entendermos melhor, vamos começar falando sobre o que é o autismo. Trata-se de uma condição do neurodesenvolvimento muito complexa na qual, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), há déficits na reciprocidade sócio emocional, déficits nos comportamentos comunicativos e nas habilidades sociais, estereotipias ou repeticação de movimentos motores e fala (ecolalia), rigidez cognitiva e alterações no processamento sensorial (hipo ou hiperreatividade) que devem estar presentes antes dos 36 meses de vida. Sua causa ainda não é totalmente esclarecida, porém acredita-se ter um componente genético associado com fatores ambientais.


Além das dificuldades psíquicas e comportamentais, no manejo de crianças que possuem autismo se faz necessário também uma intervenção nutricional, seja pelas alterações alimentares que podem estar presentes, tais como a seletividade alimentar ou por alterações gastrointestinais que parecem ser mais prevalentes do que em outras crianças, sendo comum a ocorrência intolerância aos alimentos, perda e/ou ganho de peso (seja pela seletividade, recusa em comer ou por uso de medicações) e outros sintomas. Tais fatores limitam a variedade de alimentos e as novas experiências alimentares e geram dificuldade na implementação de novos padrões e adesão à terapia nutricional, além de levar a carências nutricionais.


Assim, percebemos que o autismo tem grande impacto nas áreas da comunicação, interação social, comportamento, cognição e linguagem. Muitas vezes, pode estar associado a outras comorbidades como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Deficiência Intelectual (DI) e outras. Trata-se de um grande problema de saúde púbilica, que precisa de muito trabalho em conjunto para o suporte em saúde além da necessidade de criação de programas educacionais. Além disso, a sociedade precisa estar envolvida para que as pessoas autistas não sejam discriminadas e marginalizadas.


A intervenção precoce é a melhor forma de se iniciar o tratamento. Mesmo que haja dúvida sobre o diagnóstico (pois em saúde mental ele pode se confundir e demorar) a intervenção tem que ser assertiva e rápida para não perder janela de oportunidades. E como fazer isso? Prestanto atenção nos marcos de desenvolvimento de nossos filhos. Cada criança se desenvolve no seu tempo, porém esse tempo precisa estar alinhado aos marcos do desenvolvimento. Esses marcos são importantes para diminuir o tempo no diagnóstico do autismo e quanto mais cedo for a intervenção, maior a chance de recuperar um sintoma ou torná-lo ameno.




Uma criança com desenvolvimento típico irá andar, falar e desenvolver suas habilidades sociais em um tempo mais ou menos próximo aos marcos do desenvolvimento. Quando esse processo é tardio, interrompido ou mesmo há regressão, é um sinal de alerta que precisa ser investigado e muito mais que isso: é necessário intervenção para que a criança consiga o melhor no seu desenvolvimento, aprenda a formar respostas adaptativas e organize seu comportamento.



O diagnóstico requer métodos adequados de avaliação, lembrando que trata-se de uma avaliação clínica e comportamental, na qual podem ser utilizados testes e escalas; não há um exame ou marcador biológico que detecte autismo:


  • Avaliação da família ou responsáveis

  • Avaliação escolar (caso a criança já esteja inserida nesse contexto)

  • Avaliação complementar (outros profissionais que acompanham a criança, inclusive professores de atividade extracurriculares, motorista da van escolar, etc.)

  • Testes e escalas

  • Avaliação da criança ou adolescente



Após a avaliação e diagnóstico, o ideal é que se crie um plano individual de tratamento (PIT) e um plano individual de educação (PEI). O tratamento pode incluir terapia sensorial, terapia comportamental cognitiva, fonoaudiologia, mediação escolar, prática esportiva, nutrição, grupos de apoio, suporte familiar e medicação. Além disso, a família também deve ser alertada sobre riscos contra supostos tratamentos complementares e alternativos.


Um exemplo de abordagem questionável no tratamento é a exclusão de glúten e lactose da alimentação de crianças autistas. Embora os distúrbios gastrointestinais sejam comorbidades comumente encontradas e, nesse caso, a indicação da retiradas desses componentes seja justificada, não há evidências robustas de que a retirada desses componentes da alimentação melhorem as crises comportamentais, diminuam hiperatividade e melhorem a comunicação e socialbilidade, ainda que muitos pais relatem a melhora de seus filhos ao fazê-las. Apesar de muitas intervenções dietéticas terem sido estudadas, faltam dados científicos conclusivos sobre o efeito das dietas terapêuticas no autismo e, como tal, nenhuma recomendação definitiva pode ser feita para uma terapia nutricional específica como tratamento padrão para o TEA, ou seja, não existe dieta para autismo!


A seletividade alimentar precisa ser tratada com muita cautela e boa avaliação, até mesmo porque nem toda a seletividade está relacionada apenas com a questão sensorial; pode estar associadade com experiências ruins com a comida, pode ser uma forma da criança exercer controle, pode ser uma questão comportamental (o momento da refeição pode ser particularmente difícil para a criança, pais e/ou cuidadores, pois muitas vezes vem acompanhado de choro, agitação e agressividade por parte da criança) ou até mesmo pela falta de flexibilidade cognitiva. Então, o objetivo é realizar um tratamento que seja individualizado para cada criança para aumentar o consumo de alimentos novos ou não preferidos por ela, em variedade e quantidade, de forma humanizada e amigável, utilizando reforços sintetizados e moldando e incoporando oportunidades de escolha para a criança.


Para fazer a avaliação nutricional, eu utilizo uma ferramenta de rastreio de seletividade alimentar e realizo sondagem e análise de preferência alimentar. Além disso, também é feita uma entrevista para identificar comportamento-problema em relação à alimentação e análise dos resultados. Tambem, é preciso considerar os fatores culturais e financeiros da família e a disponibilidade da mesma para fazer todas as mudanças necessárias. Ao final é possível identificar os alimentos preferidos e não preferidos para usar na terapia nutricional, realizar uma modelagem e reforçadores e fazer análises de tarefas, caso os problemas sejam persistentes e avaliações periódicas após as sessões.


Assim, antes de fazer qualquer mudança na alimentação de uma criança com qualquer nível de autismo, é importante uma criteriosa avaliação nutricional e o acompanhamento rigoroso para que sejam analisados todos os parâmetros bioquímicos regularmente e analisar quais contribuições no quadro clínico, bem como oferecer um suporte adequado para os pais e cuidadores para que preparem os alimentos de forma adequada, segura e com boa aceitação pela criança.



Até o próximo post!


Danielle Fava

Nutricionista

CRN3 26112



Referências


Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordesr (DSM-V)


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Bringel, R. Testes de rastreio para autismo e atrasos no desenvolvimento infantil.


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