É possível que a comida tenha influência no nosso humor?
Olá mulheres maravilhosas!
Eu sou a Danielle, sou nutricionista especializada em Saúde da Família e em Autismo e estarei aqui, quinzenalmente, conversando com vocês sobre temas emergentes em nutrição para nós, mulheres e mães negras!
Quem aqui vivencia diariamente muitos estímulos simultâneos? Acho que todas nós, não? Vocês sabiam que esse excesso de estímulos podem nos levar a diversos estados mentais, tais como ansiedade, estresse, pensamentos acelerados e até mesmo a depressão? Todas as influências do meio externo tais como rotina, as imposições da sociedade e da mídia acerca de quem somos, as pressões para conciliar as decisões acerca da maternidade e de que forma fazer essas escolhas, afetam o nosso interior de maneira que nos sentimos desconectadas da nossa verdadeira essência. A nossa dificuldade enquanto mulheres e mães negras, de termos nossos espaços ocupados, vencer as barreiras do preconceito cotidiano favorece para a manutenção prolongada desse estilo de vida, o que provoca desregulação no nosso organismo e ocasiona diversas doenças.
Para complicar, por vivermos em uma dimensão na qual o tempo é importante, quantas de nós temos por realidade extensas jornadas para dar conta de tudo? Somado a isso, muitas vezes negligenciamos a nossa própria alimentação. Corremos tanto diariamente para dar conta de todas as atividades que mal temos tempo para comer. Comemos rápido, sem prestar atenção no alimento e nem sempre zelamos pelo momento da refeição. Além disso, nem sempre os alimentos que estão muito mais disponíveis para nós são de melhor qualidade nutricional, posto que os alimentos mais fáceis para o consumo são os industrializados, que sofrem processos de aditivos, conservantes, corantes e outros. Aliado a sono de má qualidade e ao sedentarismo, o resultado é a complicação dos fatores de aumento de peso e patologias.
Embora o estresse agudo afete uma grande parte da população mundial, é na nossa população que ele encontra índices preocupantes. Os prejuízos que o estresse prolongado traz é uma das causas de diversos transtornos mentais, como o transtorno de ansiedade, os transtornos depressivos, o transtorno bipolar e outros. É claro que há outros fatores para o desenvolvimento dessas condições, entretanto, a parte ambiental tem grande contribuição quando se tem pré-disposição, já que sua a etiologia é biopsicossocial. Esses transtornos afetam cerca de 30% da população mundial e, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), quase 10% dos brasileiros apresentam sintoma de ansiedade, sendo em sua maioria mulheres, enquanto a depressão pode chegar a atingir 25% dos brasileiros.
Os problemas que enfrentamos enquanto pessoas negras, tais como o racismo e as desigualdades de oportunidades quanto ao mercado de trabalho e renda, impactam diretamente no desenvolvimento desse quadro. Um estudo realizado por Smolen e Araújo mostrou que entre pessoas negras, a prevalência de depressão era maior do que em pessoas brancas e as mulheres negras representavam 52% dos casos.
O estresse agudo está associado a disfunções fisiológicas, cujas bases ainda não estão bem estabelecidas, causando alterações como remodelação vascular, inflamação e estresse oxidativo. Quando não cuidado, o estresse se torna uma condição crônica a qual o corpo precisa se adaptar, piorando o risco para eventos cardiovasculares, principalmente em adultos com sobrepeso/obesidade. Não é incomum pessoas que, devido ao estresse, chegam a um estado de exaustão tão grande, que chegam ao bournout, uma condição de total esgotamento.
Os transtornos de ansiedade são causados por desordens no sistema nervoso simpático que liberam na circulação quantidade excessiva de hormônios envolvidos na reação de estresse. Os distúrbios de ansiedade, quando não tratados de forma adequada, pode fazer com que o indivíduo desenvolva transtorno do pânico. Já a depressão é caracterizada por humor triste, vazio ou irritável acompanhado de alterações cognitivas e somáticas que afetam a capacidade da pessoa.
A depressão é uma das maiores causas de incapacidade no mundo. Embora seja muito comum falarmos que estamos ansiosos ou depressivos de forma corriqueira, para que uma pessoa seja diagnosticada com transtorno de ansiedade e/ou transtorno depressivo, ela deve preencher os critérios do DSM-V (Manual Diagnósticos e Transtornos Mentais - 5 ªed.) Além disso, antes de se diagnosticar uma pessoa com qualquer quadro, deve-se realizar uma investigação minuciosa e descartar origem orgânica dos sintomas.
Existem diversas estratégias para a prevenção de transtornos mentais, como no caso da depressão, mas o que vemos em nossa população, além da estigmatização das pessoas com algum problema, o acesso aos dispositivos de saúde e tratamento ainda não conseguem atender de forma adequada a quem precisa. Estima-se que cerca de 76 a 85% das pessoas que vivem em países de baixa renda não conseguem tratamento.
O tratamento dos quadros tanto ansiosos quanto depressivos requerem, muitas vezes intervenção medicamentosa e psicoterapia associados. A mudança no estilo de vida também deve entrar como parte do tratamento, sendo fundamental uma boa alimentação, atividade física e controle do sono. Com relação a nutrição, há vários estudos sobre dieta e transtornos mentais, bem como sobre suplementação e é sobre eles que vamos abordar agora. Será que tem alguma evidência?
Sabemos que uma nutrição inadequada, repleta de alimentos processados pode influenciar negativamente nas nossas emoções. O excesso de processamento nos alimentos, embora tenha facilitado imensamente a nossa vida, adicionou diversas substâncias que trazem muitos prejuízos a nossa saúde como hormônios, antibióticos, e adoçantes artificiais. Até os vegetais sofrem com isso, pois estão cheios de agrotóxicos para terem maior durabilidade e serem produzidos fora de época. Tudo isso contribui negativamente não apenas para a saúde física, mas para a emocional uma vez que somos seres integrados.
O excesso de produtos sintéticos na produção de alimentos diminui a qualidade nutricional e com isso ingerimos menos nutrientes. E o que a indústria farmacêutica faz? Coloca isso em cápsulas e nos faz acreditar que precisamos tomar suplementos. E isso vira um ciclo vicioso do qual precisa de disposição e coragem para voltar a comer comida de verdade, reservar tempo para mastigar, para se hidratar, respirar, meditar e cozinhar.
A maior revisão mundial de evidências de primeira linha, publicada na World Psychiatry, mostrou que, embora a maioria dos suplementos avaliados não tenham melhorado significativamente a saúde mental, foram encontradas fortes evidências com relação ao uso do ômega-3 como um tratamento complementar para a depressão maior, tendo reduzidos os sintomas além do efeito dos antidepressivos apenas. Atualmente, não há evidências que suportem o uso de vitaminas (como C, D e E) ou minerais como zinco e magnésio para qualquer transtorno mental. Dessa forma, a suplementação com ômega 3 pode ser um adicional ao tratamento convencional.
Quanto à intervenções dietáticas, o que sabemos é que a combinação da dieta DASH-Dietary Approches to Stop Hypertension (ou abordagens dietéticas para parar a hipertensão, em livre tradução) juntamente com a dieta mediterrânea cria um padrão alimentar que se concentra especificamente na saúde do cérebro e prevenção de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, originando a dieta Mind.
O estudo DASH foi exatamente uma investigação de padrões alimentares no qual havia um maior consumo de frutas, vegetais, grãos integrais, oleaginosas e laticínios com baixo teor de gordura além de menor consumo de gordura saturada e colesterol e o resultado mostrou melhora de risco de doenças cardiovasculares além da perda de peso. A dieta DASH inclui alimentos com baixo teor de gordura total, gordura saturada e colesterol e muitas frutas, vegetais e grãos inteiros. A proteína é fornecida por produtos lácteos com baixo teor de gordura, peixes, aves e nozes. Carnes vermelhas, doces e bebidas açucaradas são limitadas. O DASH é rico em fibras, potássio, cálcio e magnésio e pobre em sódio
A Dieta Mediterrânea é inspirada nos hábitos alimentares tradicionais dos países mediterrâneos e é considerada um dos padrões alimentares mais saudáveis do mundo, por focar em alimentos in natura e minimamente processados, incluindo vegetais, frutas, grãos, leguminosas, nozes e peixes. Além disso, pequenas quantidades de carne, ovos e laticínios, e uma quantidade modesta de álcool, também podem ser incluídas.
A Dieta Mind enfatiza a ingestão limitada de alimentos de origem animal e com alto teor de gordura saturada, mas especifica exclusivamente consumo de frutas vermelhas pelo menos duas vezes na semana, oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas e outros) pelo menos cinco porções na semana e o consumo de azeite como principal óleo de cozinha. Além disso, recomenta o consumo de pelo menos três porções diárias de grãos integrais (aveia, quinoa e arroz integral), peixes ricos em ômega 3 como salmão, sardinha, truta, atum e cavala no mínimo uma vez na semana e vegetais com folhas verdes escuras, como couve e espinafre, seis ou mais porções por semana em preparações ou saladas. Para complementar a refeição, pode-se incluir outro vegetal preferencialmente de baixa caloria e sem amido e leguminosas como feijão, ervilha, lentilha e grão de bico.
No Brasil temos o Guia Alimentar para a População Brasileira, uma publicação do Ministério da Saúde, desenvolvido por nutricionistas. É uma publicação que está disponível para download e que eu sugiro que você leia (faça o download no link acima). Ele baseia-se nos princípios de que a alimentação é muito mais do que a ingestão de nutrientes e que o efeito benéfico sobre a prevenção de doenças advém dos alimentos em si e das combinações de outros compostos químicos que fazem parte da matriz do alimento, mais do que a ingestão de nutrientes isolados. Ele também traz o princípio de que padrões tradicionais de alimentação são benéficos não apenas pela ingestão deste ou daquele nutriente, mas sim pelo conjunto de alimentos que integram aquele padrão e à forma que são preparados e consumidos. O Guia Alimentar para a População Brasileira também leva em consideração que as diretrizes alimentares devem sempre estar atualizadas e em consonância com a atualidade e preocupa-se com a sustentabilidade e meio ambiente.
É importante lembrar que os Guias Alimentares sempre ampliam a nossa possibilidade de escolha e não tem intenção de restringir. Eles nos auxiliam a esclarecer nossa mente e trazer conhecimentos fidedignos em nutrição. Quanto mais nossa mente for esclarecida, tanto mais compreendemos certos acontecimentos que nos ajudaram a para o tratamento e prevenção da saúde e a aplicação dessas informações no dia a dia que resulte em alterações nos modos de viver, de se alimentar, de se relacionar em seu ambiente familiar, de trabalho e de lazer.
Eu sei o quanto é difícil se desligar do mundo, mas precisamos estar alerta a sinais e entendermos como a mente funciona. Quando temos essa percepção, conseguimos entender padrões que nos levam a criar ansiedade, estresse, tristeza, exaustão e etc.
Quando a mente está cheia de coisas, não há “espaço” para a calmaria. Nosso estado de humor muda sempre e é natural que seja assim. O que não é normal é que certos padrões de pensamentos gerem estados prolongados de emoções e sentimentos como infelicidade, ansiedade, estresse, exaustão, irritação e outros. Até mesmo euforia e outras variações emocionais que possam parecer positivas, quando em excesso, mostram que há desequilíbrio e em longo prazo, ansiedade crônica ou depressão.
Uma das estratégias de controle emocional que eu gosto muito é a prática de mindfulness. O mindfulness ou atenção plena nos conecta ao corpo. As pessoas que praticam mindfulness experimentam um aumento na atividade do lado esquerdo de uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior. A ativação dessa estrutura está ligada a uma atitude e emoções positivas e ao longo do tempo elas começam a se sentir melhores, reduzindo depressão e ansiedade e isso torna a nossa vida muito melhor.
A pratica da atenção plena permite que tenhamos uma mente mais aberta e que aprendamos a acreditar em nós mesmos e confiar em nossa intuição, reconhecendo que você é maior autoridade no que diz respeito ao seu corpo e aos seus sentimentos. Com isso, a culpa e a vergonha ao comer são substituídas pelo respeito.
Outros benefícios proporcionados pelo comer com atenção plena é o exercício de estar aberto para experimentar sabores e vivências, o que nos proporciona novas possibilidades e auxilia para ampliar o seu repertório alimentar, incluindo ou excluindo determinadas comidas. Ela também permite o desenvolvimento de reações positivas em relação à comida que colaboram para diminuição do comer emocional que, geralmente, é exagerado e compulsivo.
Criar alternativas à busca da comida por razões emocionais é muito importante. Se pergunte: do que eu preciso? Será comida ou um abraço, ou um banho, ou um afeto? O que eu posso fazer para me sentir melhor? Tomar um banho, ouvir música, ler, meditar. Caso ocorra de comer emocional, deve-se olhar a experiência como um aprendizado e não como uma falha.
Para assumirmos esse controle precisamos aprender a SER. Para isso, temos que acolher todos os sentimentos difíceis que podem ter nos acometido em qualquer ponto da nossa existência (passado ou presente) para que possamos curá-los. Em muitos momentos, é preciso perdoar a nós e aos outros para que a escuta interna consiga fluir melhor. Espaços como a nossa comunidade Mães Negras do Brasil são importante fonte de acolhimento pois aqui, o não julgamento faz parte de mim e de você.
"Comida de verdade é comida da horta, da feira, da padaria, do açougue. Estejamos alertas se estamos desembalando mais e descascando menos: é sinal que precisamos rever nosso hábitos!".
Referências
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Um dos dilema é a diferença entre o saber + não agir e estar consciente+coerência . Uma luta interna bem representada entré e deveres, afazeres e compensações. Geralmente vou no que adoça, ainda que depois tudo vire vinagre. Um processo de entender a fome, o comer compulsivo, o choro. O jogo fatal de compensar cada emoção esparramava na alma. E é uma luta que não se ganha só, muito menos num estalar de dedos ou "fechar de boca".