Como o sistema de opressão atua neste determinante de saúde e bem estar na mulher negra
Olá, mulheres maravilhosas! Espero que estejam todas bem!
O tema desta semana é bem sensível, porém de extrema importância para a nossa comunidade. Caso este texto traga algum gatilho, saiba que em nossa comunidade você está acolhida e que esse espaço é de troca. Espero que vocês aproveitem muito o artigo pois sabemos o quanto, em algum momento, nós enfrentamos a discriminação nos sistemas de saúde e o quanto isso é prejudicial ao acesso, cuidado, tratamento preventivo em saúde, além de estarmos mais expostas a risco de complicações em longo prazo. Quando associados aos estigmas da obesidade e à insegurança alimentar, a opressão é ainda maior e precisamos reconhecer, dessa forma, que a embora a obesidade seja uma doença que afeta grande parte da população mundial, ela não afeta a todos igualmente.
Falar em obesidade nunca é fácil, justamente por conta dos estigmas que envolvem e do preconceito acerca dessa doença. Entrentando, precisamos separar algumas coisas para entender que, no conceito de saúde, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é sim uma doença e que deve ser tratada. Sua definição é: "excesso de gordura corporal depositada em diferentes partes do corpo, podendo desencadear um baixo grau de inflamação, levando à coexistência de vários fatores de risco para a saúde, bem como a associação com outras doenças, entre elas: diabetes, dislipidemias, síndrome metabólica, aterosclerose, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, esteatose hepática não alcoólica, distúrbios do sono, transtornos de humor e , mais recentemente, a Covid-19". (OMS, 2021)
Desse modo, entendemos que, ainda que uma pessoa esteja acima do peso e não apresente nenhuma outra doença e justifique isso como fator para estar "saudável" ou "exames em dia", há um risco muito maior para que ela desenvolva as doenças acima citadas do que se ela estivesse com um peso mais adequado para sua estatura e idade e, principalmente, com menor percentual de massa gorda, principalmente a do tipo visceral (aquela que fica acumulada na região abdominal, permeando órgãos vitais e, portanto, traz mais risco para a saúde).
A obesidade é uma doença multifatorial e complexa, que pode envolver desde fatores genéticos, hormonais, psicológicos e/ou comportamentais. Porém, os fatores externos como sedentarismo, questões sociais, sono inadequado e maus hábitos alimentares possuem uma contribuição muito importante em sua fisiopatologia. Mas, uma pessoa com sobrepeso/obesidade nem sempre uma pessoa terá todos estes fatores associados. Nem sempre é só a genética ou só o comportamento alimentar. Geralmente, há vários fatores associados; alguns são possíveis de ser modificados e, quando melhorados, contribuem para a melhora daqueles que não são passíves de modificação. Percebe-se assim, que o tratamento da obesidade sempre precisa de uma visão ampliada.
Quando falamos de nós, mulheres, sabemos que, em alguns momentos de nossas vidas, tendemos a experimentar ganho de peso que estão envolvido com o próprio ciclo de vida feminimo: menarca, gravidez e menopausa. Associado à isso, temos a cultura que nos cobra sobre o corpo ideal.
Nos posts anteriores, já conversamos sobre a escassez de literatura científica em saúde sobre a população negra no Brasil. Seria muito importante, para nossa população, saber mais sobre as bases fisiológicas da obesidade em mulheres negras. Será que difere muito das mulheres brancas? Afinal, o nosso fenótipo é diferente. E quanto ao metabolismo?
Um estudo de revisão, realizado em 2021, com mulheres afroamericanas avaliou se elas estariam mais predispostas à obesidade devido a um fenótipo metabólico/endócrino e maior risco de diabetes do que as mulheres caucasianas pois, segundo o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), a prevalência de mulheres afroamericanas obesas é maior do que entre caucasianas. Os dados da revisão mostram que um subconjunto dessas mulheres estariam sim, mais predispostas.
No Brasil, um estudo conduzido por Oraka e col. (2020) mostrou que "existe uma relação complexa entre raça, obesidade, nível socioeconômico e gênero, cuja especificidade se dá em função do contexto sócio-histórico" e que isso pode ser explicado pelos efeitos fisiológicos, psicológicos e culturais do estresse devido à discriminação racial. Entretanto há necessidade de mais estudos para entender melhor a correlação.
Agora, imagine a situação da pessoa negra que já enfrenta e todas as consequências que traz para as disparidades em saúde, ainda associar as consequências clínicas da obesidade com a discriminação e o preconceito que são direcionadas as pessoas obesas, considerando-as culpadas por sua condição concomitante com o racismo estrutral. Para se ter ideia de como é a visão da obesidade pela própria pessoa, um estudo realizado por Puhl e col (2007) com 1.013 mulheres obesas revelou que as próprias participantes consideravam-se preguiçosas, burras, sujas e com falta de vontade por serem obesas. Junte isso, com as coisas que ouvimos apenas por sermos mulheres, e com as situações que vivenciamos por sermos negras.
O enfrentamento da obesidade para nós envolve muito mais do que uma dieta para emagrecer. Envolver o combate ao racismo, o acesso à alimentos saudáveis, espaços seguros para a prática de atividades físicas, cuidados integrais à saúde de forma digna e o entendimento da nossa forma corporal.
Um profissional, para nos atender, precisa ter a abordagem além do peso. Ele tem que ser inclusivo e promover a aceitação de nossos corpos, ensinar a dialógos e construtos raciais e estimular para que nos cuidemos de forma adequada às nossas realidades com respeito a quem somos, as nossas origens e cultura, reconhecendo, inclusive, seus próprios preconceitos.
E algo muito importante que quero deixar para vocês hoje é precisamos, fortemente, ensinar e avivar as competências alimentares em nossos filhos o quanto antes pudermos. Isso significa que precisamos fortalecê-los como indivíduos em saberes, atitudes e valores em relação à alimentação para que sejam autônomos e valorizem a sua cultura e sua bagagem de conhecimentos de forma a criar mais possibilidades em suas vidas. Algumas formas pelas quais podemos incentivá-los:
Ajudando-os a ter uma postura positiva, flexível e confortável com a comida;
Auxiliando-os a decidir sobre a própria capacidade de selecionar o que e quanto comer com base nos sinais dele de fome, apetite e saciedade;
Ensinando-os a apreciar vários tipos de alimentos em várias formas de preparações;
Estimulando-os a praticar atividade física;
Convidando-os para cozinhar conosco, considerando o sempre o lúdico e a idade da criança;
Deixando-os ter contato com as texturas, cheiros, sabores, cores dos alimentos, ainda que isso implique em fazer "sujeira";
Construindo uma disciplina de forma positiva, com base no prazer e na satisfação das necessidades pessoais deles, nossas e de famílias.
Um grande abraço e até o próximo post!
Nutricionista Danielle Fava
Referências
Alvarenga e col. Nutrição comportamental. Ed. Manole. 2019
Geneva: WHO. [fev. 2021] Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/.
Oraka C S e col. Raça e obesidade na população feminina negra: uma revisão de escopo Saúde Soc. São Paulo, v.29, n.3, e191003, 2020
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